Um biênio determinante para um novo futuro

Resultados de 2022 trazem necessidade de mudança para 2023 e abrem portas para o começo de uma mudança significativa no modelo de negócio

Os anos de 2022 e 2023 foram desafiadores para todo o segmento de saúde suplementar e mostrou-se especialmente complexo para a Unimed-Rio, em função de sua já conhecida trajetória de recuperação no contexto econômico-financeiro desde 2015.

As dificuldades vinham sendo vencidas de 2016 a 2020, períodos em que a cooperativa vinha registrando resultados positivos e recuperando seus indicadores gradativamente, o que se manteve até 2021. Na soma de todos estes exercícios, foi atingida uma redução de mais de R$ 1 bilhão da dívida geral da companhia.

Quadro Comparativo 2016-2020

No entanto, a partir de 2020, com a chegada da pandemia de Covid-19, impensável em qualquer planejamento estratégico empresarial, tudo mudou, e o cenário voltou a se agravar. Somente com gastos com infraestrutura e tratamentos exclusivamente referentes à Covid foi gasto mais de R$ 1,2 bilhão entre 2020 e 2023.

O ano de 2022 foi o primeiro após os lockdows e acolheu toda a demanda reprimida de cirurgias e tratamentos continuados de 2020 e 2021, para além do aumento do volume de consultas e exames fruto da maior conscientização da população em relação à saúde depois do trauma da pandemia.

Se em 2019, antes da Covid, a carteira registrou um percentual de 49,5% de utilização por parte dos clientes, em 2022 este índice pulou para 51,8%, representando um aumento de 198 milhões no custo assistencial. Segundo dados da ANS, houve um aumento de 10,6% do volume de procedimentos realizados de 2021 para 2022. E, em 2023, novo aumento foi verificado, com registro de 53,5% de utilização.

Estes números causam uma explosão dos gastos assistenciais. A compra de órteses, próteses e materiais especiais (OPMEs) teve um aumento de 81% de 2021 para 2022, e a diferença de gastos nesta rubrica de 2021 para 2023 foi de mais de R$ 897,4 milhões.

A linha de oncologia foi outra que teve um crescimento expressivo em seus indicadores. Em 2019, antes da pandemia, a relação entre os tratamentos oncológicos e o total de gastos assistenciais era de 10,6%, percentual que praticamente dobrou para 2023, chegando a 20,6%. Os gastos com oncologia de 2019 a 2023 superam a casa de R$ 3,7 bilhões.

A disparada dos custos precisava ser contrabalanceada pelo aumento de receita, porém o reajuste dos contratos de planos individuais e familiares estabelecido pela ANS, que já tinha sido zero em 2020, foi negativo em 2021 pela primeira vez na história desde a criação do órgão regulador. O percentual de -8,19% aplicado em 2021 incide na receita dos primeiros quatro meses de 2022, trazendo a obrigatoriedade de devolução de R$ 350 milhões, para além do não faturamento do aumento de receita previsto em orçamento.

Ainda no campo regulatório, há um impacto direto e relevante relacionado ao rol de procedimentos editado pela ANS, especialmente no que diz respeito à periodicidade de inclusões de novos tratamentos. Inicialmente, a lista era reavaliada a cada dois anos. Depois passou a ser revista anualmente, em seguida semestralmente e agora ocorre de forma dinâmica e contínua, de acordo com definições da própria Agência.

A incorporação de novas coberturas, naturalmente, é um aspecto importante para acompanhar que a prática médica possa acompanhar a evolução da ciência e da tecnologia. No entanto, estas atualizações deveriam vir acompanhadas de estudos que apontassem os reajustes necessários para equilibrar os custos, frutos destas incorporações. O que ocorre na prática é a promoção de atualizações frequentes por ano, com reajustes limitados a uma vez por ano. No caso dos planos individuais e familiares, como já mencionado, o reajuste é determinado pela própria Agência, geralmente em patamares abaixo da inflação médica. Já no caso dos planos coletivos e por adesão, o reajuste pode ocorrer no mês do aniversário do contrato, e nem sempre o contratante concorda com o percentual técnico calculado para equilibrar o contrato, podendo levar à perda de clientes e de receita.

Este contexto é ainda mais agravado em setembro de 2022, com a aprovação da Lei 14.454/2022, que modificava a decisão do Superior Tribunal de Justiça de três meses antes a respeito do modelo do rol de procedimentos. Se inicialmente não havia uma definição sobre o tema, o STJ julgou em junho o rol como taxativo, desobrigando as operadoras de arcar com procedimentos prescritos pelo médico se no rol já houver alternativa eficaz, efetiva e segura. A partir de mobilização popular, um projeto de lei foi autorizado rapidamente e o rol passou a ser exemplificativo. Assim, as operadoras são obrigadas a arcar com o tratamento ou medicamento se ele for eficaz a partir de evidências científicas, mesmo se houver na lista da ANS alternativas mais baratas e tão eficazes quanto. Este movimento tem um impacto significativo no volume de utilização, de realização de procedimentos e de gestão de custos assistenciais.

Neste período, amplia-se uma questão social importante, mas que até hoje ainda precisa de um debate mais profundo por diversos representantes da sociedade, que são os tratamentos seriados de casos de transtorno de espectro autista (TEA). Neste sentido, a Unimed-Rio recebeu diversas demandas deste tipo, com pedidos de tratamentos com alto custo e ampla pressão social, proporcionando um aumento de quase 2% de utilização de casos desta natureza. O custo médio anual de cerca de R$ 11,2 milhões para tratamentos de TEA em 2019 passou para aproximado de R$ 192 milhões em 2023.

Este cenário faz de 2022 o pior ano da história da saúde suplementar, com impactos para todas as operadoras. Por sua situação, a Unimed-Rio é fortemente impactada e encerra o exercício com resultado líquido negativo de R$ 1,8 bilhão.

A análise da gestão dos custos assistenciais de 2022 chama a atenção, para além dos pontos já mencionados, para o comportamento da carteira de clientes em intercâmbio, aqueles que residem de forma permanente fora da cidade do Rio de Janeiro, em comparação à dinâmica da carteira dentro do município. O custo fora da área de atuação era bastante superior. Com a indicação de o viés de alta de 2022 se manteria em 2023, em busca de reverter o quadro, a cooperativa contrata a KPMG, uma das quatro maiores consultorias de negócios do mundo, para assessorá-la em um plano de reestruturação.

Plano de reestruturação

Assim, foi estruturado um projeto, dividido em cinco etapas, cujas quatro primeiras correspondiam a migrações das vidas com CEP ou CNPJ fora da área de atuação da Unimed-Rio (cidade do Rio de Janeiro e Duque de Caxias) para Unimeds de dentro do estado do Rio de Janeiro, e a quinta, para Unimeds de fora do estado. O projeto de migração de carteira de intercâmbio inicia em fevereiro, com a apresentação para a ANS. Em março, há avanço nas negociações com a Agência e, em maio, é dada entrada do pedido formal para a migração da primeira fase.

Desta forma, em julho de 2023 foi realizada a migração da primeira fase, correspondendo a cerca de 30 mil vidas de contratos tipo adesão de beneficiários com CEP fora da nossa área de atuação, que passaram a ser administrados pela Unimed Ferj. Nesta etapa, houve uma economia de R$ 50 milhões e uma redução da sinistralidade de 10 pontos percentuais. Em outubro, foi migrada a segunda etapa: 38 mil, agora, de contratos empresariais com CNPJ fora da nossa área de atuação. Em dezembro, na terceira fase, foram mais 15 mil contratos pessoa física, ficando pendente para 2024 as duas últimas etapas. Importante destacar que todos esses movimentos foram aprovados e confirmados pela ANS e demais órgãos públicos assinantes do Termo de Compromisso.

Em paralelo a todo o planejamento e migração da carteira de intercâmbio, diversas outras medidas foram sendo implementadas para modificar o panorama da cooperativa.

Em maio de 2023, a Unimed-Rio vendeu as ações que detinha do Centro de Excelência Oncológica e do Hospital Marcos Moraes para o Grupo Oncoclínicas. A negociação foi valorada em cerca de R$ 350 milhões. No acordo entre as partes, o Grupo Oncoclínicas passa a deter 100% da operação dos dois ativos, mantendo sua atuação como prestador parceiro para atendimento aos clientes Unimed-Rio em suas especialidades habilitadas.

Em agosto, foi realizado um novo pleito à ANS, ratificando a necessidade da revisão técnica, mas sem retorno da Agência. Ainda em agosto teve início uma revisão da gestão de contratos deficitários, com a possibilidade de gerar uma economia de R$ 85 milhões em 12 meses.

Ainda em 2023, foi firmada uma parceria de Serviços de Imagem e Laboratório (SAD) com o Grupo DASA por um período de 10 anos, visando aperfeiçoar a prestação de serviços de diagnósticos aos beneficiários da Unimed-Rio. Esta operação foi valorada em cerca de R$ 170 milhões, sendo R$ 50 milhões à vista e R$ 120 milhões em 4 quatro parcelas anuais. 

Entraram em vigor, para sustentar um novo ciclo de recuperação econômico-financeira, o redesenho da estratégia de renegociação para pagamento das dívidas prioritárias, a reformulação do comitê de caixa e diversas outras iniciativas internas.

Em resumo, com a assessoria da KPMG, foi desenhado um planejamento totalmente viável para reverter o quadro, com diversas ações paralelas, mas que tinha como premissa principal a conclusão da migração da carteira de intercâmbio para outras Unimeds. Todo este planejamento foi apresentado para ANS e demais integrantes do Termo de Compromisso. Os resultados das iniciativas propostas, no entanto, começaram a aparecer mais para o final do ano e a empresa fechou o exercício com um resultado líquido negativo de R$ 1 bilhão, menor que o de 2022, porém com perspectivas claras de reversão do cenário para 2024.